Prosimetron

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quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Boa noite!


«Certa tarde estava a despejar Coca-Cola de um jarro de leite para um copo, quando ouvi uma voz vindo suavemente do altifalante de rádio. Ricky Nelson estava a cantar a sua nova canção Travelin' Man. Ricky tinha uma doçura na tonalidade da sua voz e na maneira como entoava em ritmo acelerado. Ele era diferente do resto dos ídolos dos adolescentes, tinha um excelente guitarrista que tocava numa mistura entre o herói de música country e o rabequista de bailarico. Nelson nunca foi tão inovador como os primeiros cantores que cantavam como se estivessem num navio em chamas. Não cantava de forma desesperada, nem fazia grande estrago, e nunca seria confundido com um xamã. Dava a impressão de que a sua resistência não era levada ao limite, mas isso também não era relevante. Cantava as suas canções calma e serenamente, como se estivesse no meio de uma tempestade, entre homens aos berros. A sua voz era algo misteriosa e fazia-nos cair num certo estado de espírito.
«Tinha sido um grande fã do Ricky e ainda gostava dele, mas aquele tipo de música estava a desaparecer. Nada ali podia significar o que quer que fosse. Não tinha futuro. Era tudo um engano. Mas o fantasma do Billy Lyons a ganhar raízes, a pairar no East Cairo, a Black Betty bam ba bam, não era engano nenhum. Definitivamente, não era um engano. Era o que estava a dar. Fazia-nos questionar o que dávamos por adquirido, podia encher-nos de desgosto mas tinha alma. O Ricky estava como sempre a cantar letras lavadinhas.[…] Ainda assim sempre me senti próximo dele. Éramos praticamente da mesma idade, era natural que gostássemos das mesmas coisas, éramos da mesma geração apesar da nossa experiência de vida ter sido muito diferente […].»
Bob Dylan - Crónicas. Lisboa: Ulisseia, 2005, vol. 1, p. 17-18.

Não encontrei esta canção interpretada por Billy Lyons; aqui fica por Leadbelly.